Venus

Recorte da obra Venus e Marte, de Sandro Botticelli, por volta de 1485

Um poema para a vida toda

VARANDA

DE LÁ SE VIA UM MURO TRANSPARENTE
E ALÉM UNS MARES LENTOS E FACUNDOS,
ROTEIROS RETORCIDOS, SUBMUNDOS
DE PORÕES RECRIADOS NUM REPENTE
DE LUZ DAS VESPERAIS DE ANTIGAMENTE,
TRILHAS NAVAIS, ROMANCES VAGABUNDOS,
ENTRELAÇADOS MARES ORIUNDOS
DE SER A GENTE UM ENTE DIFERENTE
QUE SÓ PRETENDE O QUE NÃO VÊ E VÊ
DE OLHOS LIMPOS AQUILO QUE NÃO HÁ,
GENTE DESMEDIDA QUE DESCRÊ
DE QUANTO EXISTE PARA VER E ESTÁ
SEMPRE ELUDINDO O MURO E QUE DEMANDA
O CÉU A TERRA O MAR DE UMA VARANDA.
 
Paulo Mendes Campos

 
Este blog foi batizado em homenagem a este poema, que li pela primeira vez em março de 1985 em uma coletânea intitulada Poemas de Paulo Mendes Campos da editora Civilização Brasileira, editada em 1984. A epígrafe diz, “Este volume é a primeira edição de Balada de amor perfeito e de Arquitetura, seguida das reedições de O domingo azul no mar e de Testamento do Brasil”.
 

O poema Varanda faz parte do “livro” Arquitetura, que na realidade é uma reunião de 15 sonetos que nos revelam um pouco da arquitetura humana do poeta, nascido em Belo Horizonte, em 28 de fevereiro de 1922 e falecido em 1º de julho de 1991, no Rio de Janeiro.
 

Os títulos dos 15 sonetos são reveladores: Fogão: Dolores; Sala de jantar; Porão; Escritório: achando elegia; “Solitude bleue”: conversa fiada no jardim; Varanda; Jardim: amanhecer; Finis conorat opus; Projeto; Tanque de roupa: Scherzo; Jardim noturno: Scherzo; Banheiro; Novena; Jardim: boca da noite, e Muro, jardim, pai.
 

Nenhum dos sonetos traz a conformação clássica - dois quartetos seguidos de dois tercetos. O poeta subverte a forma, submetendo-se a ela. Neles se desfiam metáforas arquitetônicas, literárias, musicais.
 

Varanda é um soneto monóstrofo, uma única estrofe mágica, uma pequena canção com propriedades encantatórias.
 

Um poema não se compreende, se incorpora. Leva tempo. É preciso ler e reler e ler e reler e então começar a ler em voz alta e repetir sempre e sempre em voz alta muitas e muitas vezes durante muitos anos para que todas as sílabas penetrem nossa mente e depois nossa carne para que o ritmo e a música enfim se libertem da forma e floresçam de sentidos que se revelam a cada releitura infinitamente.

[Nádia Monteiro]

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